Adolescente autodidata de São José do Egito leva música do Sertão ao Canadá

Quando era pequeno, o pernambucano Everson Heleno Aguiar costumava garimpar discos e filmes nas feiras livres de São José do Egito, no Sertão pernambucano, onde ele nasceu. Pechinchava junto aos comerciantes, recolhendo os vídeos de apresentações de violeiros e teleaulas de dedilhado ao violão. Nas noites de domingo, enquanto colocava as últimas aquisições do dia para tocar, começava a esperar pelo fim de semana seguinte. Vendo filmes e ouvindo discos, semana a semana, Everson aprendeu a tocar violão. Não imaginava que as cordas um dia o levariam ao Canadá.

Aos 17 anos, o mais novo dos três filhos de um casal de agricultores cursa o terceiro ano do ensino médio na Escola Técnica Estadual Célia Siqueira, em São José do Egito, no Sertão do Pajeú. Há anos, todas as manhãs, chega para a aula com o violão sobre os ombros. O instrumento só é deixado no armário quando a chuva desaba sobre a região, cobrindo de lama a Zona Rural do município, onde ele vive com a família - antes do rapaz lançar-se sobre os mais de 20 km que separam a residência e o centro de ensino, na garupa da motocicleta do pai. "O violão foi presente do meu irmão mais velho e não me separo dele para nada", conta. Foi em um de seus dias comuns, o violão nas costas, que recebeu a notícia: seria um dos dez primeiros estudantes pernambucanos contemplados pelo Programa Ganhe o Mundo Musical, oferecido pelo governo do estado a alunos da rede pública com habilidades musicais, e estudaria por cinco meses em Manitoba, no Canadá.

"O lugar mais distante de casa que eu conhecia era o Recife, porque uma das etapas de seleção para o intercâmbio foi uma entrevista no Conservatório Pernambucano de Música, na capital. Nunca imaginei viajar para fora do Brasil", lembra o estudante, que embarcou para o país estrangeiro em agosto de 2016. Para quem cresceu tomando emprestados violões de vizinhos e familiares na tentativa de desenvolver um talento inato, Everson se adaptou com facilidade às primeiras aulas formais de música na Brandon University - oferecidas em paralelo aos estudos regulares. "Ganhei técnica e teoria. É como se agora eu fosse capaz de realmente sentir a música, as notas, muito mais do que antes", avalia. O pernambucano foi acolhido pelo casal canadense Jennifer e Jared Jaffray e viveu com os filhos deles, os pequenos London e Paige, de 4 e 3 anos, respectivamente - 'eles me deram meses inesquecíveis", lembra.

A mais de 8 mil quilômetros da cidade de Brandon, o agricultor Heleno Cícero de Aguiar, 53, e a esposa, a agricultora Maria do Socorro da Conceição Aguiar, 50, aprenderam com o filho a manusear um tablet antes da partida dele – foi o canal de comunicação da família durante o intercâmbio. "Criei os perfis deles no Facebook, para me enviarem mensagens. De primeira, não queriam que eu fosse. Eles tinham muito medo, era tudo novo, desconhecido. Depois concordaram, ficaram mais tranquilos porque prometi me comunicar. Mas foi muita saudade...", conta. Ele ainda se emociona ao resgatar a separação da família, sobretudo do pai, a quem é especialmente apegado.
A permissão para o carimbo no passaporte de Everson teria sido, além de um gesto de esperança quanto aos sonhos do filho, um voto de confiança na escola em que ele estuda: o gestor da ETE Célia Siqueira, Niedson Amaral, tornou-se agente decisivo na missão de convencer o casal de agricultores sobre o valor daquela oportunidade. Foi Niedson quem conduziu o garoto muitas vezes ao Recife nos meses anteriores à viagem, a fim de resolver toda a burocracia necessária ao embarque internacional. "Acompanhei os pais na partida e no retorno, no aeroporto. Nesse intervalo, Everson amadureceu longe de casa de maneira perceptível. Sempre foi um menino curioso, interessado em aprender. Mas agora é menos tímido, tem mais segurança para tomar decisões. Isso transformou o receio dos pais em gratidão", testemunha. Na Célia Siqueira, três estudantes participaram do Ganhe o Mundo em 2015, outros três embarcaram em 2016. Em 2017, serão 13 representantes em países como Canadá, Chile e Estados Unidos, entre os 450 alunos.
"Eu tenho o sentimento de quem não sabe nem como agradecer a Deus. Não existem as palavras para isso... para um pai que sempre foi agricultor, que sempre foi pobre, e ver seu filho ganhar uma chance que ele mesmo nunca poderia dar", diz Heleno Cícero, escolhendo as frases com cuidado, cutucando a emoção. "Com pouca instrução", como ele descreve a si mesmo e a esposa, Heleno e Maria do Socorro criaram três filhos em São José do Egito. O mais velho, Emerson Heleno, estuda engenharia em São Paulo, enquanto o filho do meio, Vanderson Heleno, cursa engenharia no Recife. "Eu quero ser engenheiro também. Ou talvez eu seja repórter, porque sempre gostei das coisas que um repórter faz", diz Everson, reestabelecido em casa após o intercâmbio, de onde regressou em janeiro, assim como outros mais de mil estudantes da rede estadual de ensino contemplados no programa em 2016.

E a música? A pergunta surge inevitável e flutua à sua frente. "Sobre a música eu nem tenho o que dizer. O violão é a única coisa de que eu tenho certeza nessa vida. O violão me deu tudo isso, essa aventura toda. Independentemente de ser engenheiro ou jornalista, nunca vou deixar de tocar", reflete. É com o instrumento nos ombros que Everson volta todas as noites ao Sítio Borges, onde sua viagem a outro mundo virou lenda e onde seu domínio sobre as seis cordas encanta os agricultores de São José do Egito, preenchendo o silêncio que têm as noites do Sertão.

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